sexta-feira, 17 de abril de 2009

Chegaram tão vivos os mortos...


2006

Centro de Trabalho do PCP - Amadora

Venteira


Aos Mortos-Vivos do Tarrafal



Ao cabo de Cabo Verde

dobrado o cabo da guerra

quando o mar sabia a sede

e o sangue cheirava a terra


acabou por ser mais forte

a esperança perseguida

porque aconteceu a morte

sem que se acabasse a vida.


Ao cabo de Cabo Verde

no campo do Tarrafal

é que o futuro se ergue

verde-rubro Portugal


é que o passado se perde

na tumba colonial.

Ao cabo de Cabo Verde

não morreu o ideal.


Entre o chicote e a malária

entre a fome e as bilioses

os mártires da classe operária

recuperam suas vozes.


E vêm dizer aqui

do cabo de Cabo Verde

que não morreram ali

porque a esperança não se perde.


Bento Gonçalves torneiro

ainda trabalhas o ferro

deste povo verdadeiro

sem a ferrugem do erro.


Caldeira de nome Alfredo

fervilham no teu caixão

contra o ódio e contra o medo

gérmens de trigo e de pão.


E tu também Araújo

e tu também Castelhano

e também cada marujo

que morreu a todo o pano.


Todos vivos! Todos nossos!

vinte trinta cem ou mil

nenhum de vós é só ossos

sois todos cravos de Abril!


No campo do Tarrafal

no sítio da frigideira

hasteava Portugal

a sua maior bandeira.


Bandeira feita em segredo

com as agulhas das dores

pois o tempo do degredo

mudava o sentido às cores:


o verde de Cabo Verde

o chão da reforma agrária

e o Sol vermelho esta sede

duma água proletária.


Do cabo de Cabo Verdec

hegam tão vivos os mortos

que um monumento se ergue

para cama dos seus corpos.


Pois se o sono é como o vento

que motiva um golpe de asa

é a vida o monumento

dos que voltaram a casa.


Ary dos Santos


Na inauguração de uma exposição sobre os 70 anos que passam sobre o Tarrafal, o campo da morte lenta, o campo em que o médico dizia que estava ali, não para curar mas para passar certidões de óbito...

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